23 de fevereiro de 2015

Captalismo selvagem

     Essa expressão, cunhada lá pelos meados da década de 60, nunca foi tão apropriada ao seu significado quanto nos nossos dias. Ela pode significar várias coisas, ao gosto do freguês, mas traduz principalmente a prática de relações econômicas regida pela “lei do mais forte”, o desrespeito aos princípios da democracia e igualdade, em nome do lucro a qualquer preço, e quanto mais, melhor. Há 50 anos o capitalismo selvagem era só uma criancinha ingênua, se comparado à forma como vivemos hoje, sob total domínio, não de princípios, mas de fins econômicos.
As nossas relações humanas, sejam sociais, culturais e financeiras, encontram-se de tal maneira contaminadas pela ganância, pela usura, pelo desprezo pela ética, que acabamos nos sentindo ameaçados – e com razão – até pelas mais simples relações de sobrevivência que somos obrigados a ter, por exemplo, com os concessionários de serviços públicos, que diante da frouxidão dos consumidores e das autoridades, estão fazendo literalmente o que querem como o consumidor brasileiro.
     Campeão disparado do troféu Capitalismo Selvagem dos últimos cinco anos é o setor das telecomunicações. É fácil conferir, e eu pergunto ao amigo leitor se, nesse citado período, por acaso teve algum problema com serviços telefônicos, TV a cabo e internet? Se não teve é um felizardo...mas será que ninguém da sua família, amigo, conhecido, colega de trabalho...não conhece ninguém que não tenha tido pelo menos um probleminha com, vejamos, adquirir serviços sem viabilidade técnica, ser cobrado por serviços que não solicitou, ter o sinal interrompido sem qualquer explicação, querer cancelar um serviço e não conseguir, cancelar um serviço e continuar a ser cobrado por ele... enfim, a lista de problemas que essas empresas nos criam vão além da nossa simples e humana imaginação.
     Eu, pessoalmente, já tive todos eles, e não me lembro de conhecer ninguém que algum dia também não tenha tido um entrevero com uma dessas empresas. Errar é humano, mas não é o caso de empresas que dispõem de tanta tecnologia. Mas pior do que errar, é a persistência no erro, o que parece ser uma política institucional dessas operadoras, que aboliram o serviço direto em lojas, para melhor infernizar a nossa vida, via telemarketing. Para que ganhem mais sem deixar de cumprir o dever de atendimento, contratam aparentemente, pessoas sem o menor preparo e mínima escolaridade, cujo maior talento é prender você na linha por longos 20 ou 30 minutos, até que a ligação caia sem você ter conseguido concluir sua solicitação.
     Uma das maiores dificuldades é solicitar qualquer tipo de cancelamento. Tenho a impressão de que os humildes trabalhadores do telemarketing são ameaçados com o fogo do inferno, se aceitarem um cancelamento. Todos os obstáculos são colocados, jogam você de um serviço para o outro, até que no limite da exasperação, você desiste. E pensa, vou deixar para amanhã. Quando aliás, pode ter certeza, a tortura vai se repetir. Aí você consegue cancelar, e quando passa o tempo regulamentar, lá vem a conta do serviço que você cancelou. Eles esqueceram de comunicar ao setor de cobrança, e se você se atreve a não pagar, e reclamar, corre o risco de ter seu nome no serviço de proteção ao crédito.
     Ganhar o dinheiro do cliente a qualquer custo, não oferecer um serviço confiável nos casos de reclamações, trapacear acrescentando serviços não solicitados e cobrando por eles, fechar canais de ouvidoria impedindo o aperfeiçoamento do atendimento, tudo isso é capitalismo selvagem. São a ganância e a usura falando mais alto que o respeito ao cidadão, contribuinte, consumidor, ou enfim, ao palhaço que mantem a economia funcionando. Só para repetir o que a imprensa publica regularmente, temos os piores serviços de telefonia e os maiores preços desses serviços em relação à maioria dos países. Aliás, pagamos um absurdo por tudo.
      Está cada dia mais difícil contratar um serviço, recebe-lo, pagar a conta, e seguir com a vida. As empresas parecem querer desafiar os limites da nossa tolerância, sem se preocuparem com as estatísticas que, a cada ano, denunciam mais e mais variados desrespeitos ao direito do consumidor, desde que continuem se alimentando de um lucro indevido, que satisfaça a voracidade dos seus investidores. Mas também cabe a nós, consumidores, “botar a boca no mundo” e reclamar. Usar todos os meios e comunicação e redes sociais para reclamar. Perder seu precioso tempo e ir à Justiça, para aumentar o cordão dos reclamantes. Talvez no dia em que as multas e indenizações puserem em risco essa busca desenfreada pelo lucro, essas empresas, e também as outras como as do ramo financeiro, pensem um pouco mais antes de criar sistemas destinados a lesar quem trabalha para pagar suas contas.


Célia Borges

16 de setembro de 2014

ITATIAIA PERDE ALDA BERNARDES


 
      


Faleceu na sexta-feira (7/7) aos 87 anos, a presidente da Academia Itatiaiense de História, professora Alda Bernardes de Faria e Silva, que dedicou a vida a pesquisar, preservar e incentivar os estudos sobre a história e a cultura de Itatiaia.

Fundadora, e principal responsável pelo funcionamento e atividades da instituição, a ARDHIS, Alda Bernardes escreveu diversos trabalhos básicos sobre o assunto, e foi incansável incentivadora de pesquisas que muito contribuiram para o conhecimento da história município.

Nascida no seio de tradicionais famílias de Itatiaia, Cotrim e Bernardes, a professora Alda começou a se interessar e pesquisar a história ainda jovem, logo formou-se e que começou a dar aulas no então Grupo Escolar Ezequiel Freire, onde sentia falta de materiais para ensinar a seus alunos sobre sua própria terra natal. Desde então, passou a entrevistar seus familiares e outros moradores, anotando tudo em inúmeros cadernos.

Mesmo durante o tempo em que viveu em São Paulo - onde formou-se fisioterapeuta e trabalhou com notável desempenho profissional, casou-se com um médico, e residiu até ficar viúva - Alda aproveitava suas viagens de férias à Itatiaia para continuar suas pesquisas. Ao ficar viúva, em meados da década de 80, voltou a residir em Itatiaia, dedicando-se mais do que nunca à história.

Atuou no grupo de emancipacionistas, ao lado do irmão, Humberto Bernardes, e no ano seguinte à conquista de condição de município, foi uma das fundadoras da Academia Itatiaiense de História, ao lado dos coronéis Cláudio Bento, Lauro Amorim, Geraldo Lavasseur França e Rubens Mader.

Nos 23 anos de existência da ARDHIS, Alda Bernardes sempre fez parte das diretorias, sendo a presidente há cerca de uma década. Além de persistir nas suas pesquisas, Alda escreveu trabalhos e foi a principal orientadora dos demais pesquisadores da história do município, a quem nunca negou seus manuscritos, documentos e livros.

Era também colecionadora de móveis, louças, objetos de uso doméstico e artefatos ligados à cafeicultura e pecuária locais, e que deveriam constituir o acervo de um museu histórico que ela sonhava legar à Itatiaia, projeto que entretanto, não pode ver concluído. Além de patrocinar com recursos próprios a maior parte das atividades da Academia, ela também havia adquirido, há pouco mais de dois anos, um antigo casarão, a Chácara Pequenina, destinada a esse projeto. (Célia Borges)  

 

 

 

23 de novembro de 2012

Brasil, o país do "faz de conta"

O titulo acima não é original, e já foi estampado em livro, e em inúmeros artigos, mas o que vêm acontecendo nos nossos dias o torna muito, e cada vez mais, atual. Meu primeiro choque com a consciência desse faz de conta veio por um artigo do ex-ministro da Educação Cristovão Buarque, e no qual, numa única frase, ele sintetizou a situação da maior parte da nossa população, em relação a esse tão importante setor da nossa vida e da administração pública: “No Brasil, os professores fazem de conta que ensinam, e os alunos fazem de conta que aprendem”. Isso foi logo no início do primeiro mandato do Lula, quando esse admirável criador do “bolsa-escola” foi defenestrado, por conta de suas posições tão éticas quanto desconfortáveis para o governo. De lá pra cá, sua brilhante ideia inicial foi desdobrada em todo o tipo de oportunismo e manipulação política, com a distribuição de variados tipos de bolsa, invertendo totalmente o seu objetivo, que era privilegiar a obrigatoriedade do ensino e investir na educação. Que afinal, na equação desenvolvimentista do governo petista, acabou em último plano. E para constatar isso, é só olhar em volta. É claro que esse “faz de conta” não começou com o novo século, nem com os governos petistas, mas é desalentador observar que o que era antes uma questão de “interpretação da realidade”, acabou se transformando numa pura e simples negação da realidade, e a sua substituição por uma espécie de nova realidade dialético-virtual, ou popularmente “tapar o sol com a peneira” via satélite. Para o grande contingente de analfabetos funcionais desse país, o que a televisão anuncia, é a verdade. O rádio tem igual credibilidade. E se a autoridade declara, o povo acredita. Ou faz de conta que acredita...quando se acomoda e não questiona, o que é o comportamento da maioria. Não existe mais respeito à opinião pública, porque as nossas autoridades “decretaram” informalmente que não existe opinião pública. Afinal, se “como nunca antes na história desse país” tivemos um presidente que não lê, e que ainda declarou isso com uma espécie de orgulho, então até faz sentido que a maior autoridade do país “não sabia de nada” das falcatruas ocorridas durante seu governo. E dessa maneira, faz de conta de que nunca aconteceram. E digam o que quiserem ao contrário... porque não “estamos nem aí”. Então, e por conta desta aparentemente aceita negação da realidade, todos os absurdos passam a ser possíveis, tanto nos poderes executivo, legislativo e judiciário, quanto nas diversas instâncias da administração pública, federal, estadual e municipal. Todos os dias somos brindados com mais exemplos de desonestidade, o que deflagrou uma espécie de “licença geral” para que cada um, empresas, pessoas e imprensa, torçam a realidade em seu proveito, antecipadamente justificados, e se acreditando “isentos de culpa”, diante do clima de impunidade que nos cerca por todos os lados. Se o presidente, ou a presidente, anunciam uma medida hoje e são desmentidos pelos fatos na semana seguinte... tudo bem!!! Então as empresas concessionárias de serviços podem fazer cobranças indevidas, e esperar que os incautos não percebam, e assim ela vai aumentando seu lucro. Bancos e cartões de crédito também se arriscam a “cometer erros” sempre a custo do cliente, mas tudo bem, é só um engano, e você que passe meses tentando provar que tem razão. Empresas aéreas te deixam na mão, mas tudo bem, é assim mesmo... vivemos no Brasil, onde o cidadão, consumidor, contribuinte e eleitor, não tem direito à muita coisa. Você até pode reclamar, e se tiver um bom advogado, ter seu direito reconhecido. Mas se isso acontecer, pode se considerar uma “agulha no palheiro”. Vivemos num tal labirinto de leis que nunca são cumpridas, que fica até difícil saber onde começam e onde terminam nossos direitos. Engabelados pelas estatísticas oficiais, que fazem propaganda de uma prosperidade que não vemos, acreditamos que o país pode realizar eventos de grande projeção internacional, como uma Copa do Mundo de futebol, e as Olimpíadas, enquanto pessoas de todas as idades, mas principalmente crianças e idosos das faixas mais carentes de renda, ainda morrem na porta dos hospitais por falta de atendimento. A negação da realidade implica também num inversão de valores que nos remete às portas do caos social. Enquanto boas escolas e boas universidades poderiam nos redimir da dependência econômica, científica e cultural, seguimos na direção de um clientelismo sem volta, com bolsas de todos os tipos para matar a fome, mas sem a boa educação que ensinaria a pescar. Temos uma população enorme, cheia de jovens em busca de oportunidade, mas vamos importar mão de obra qualificada para sustentar nosso desenvolvimento industrial. A falta de educação já desponta como uma espécie de doença social hereditária, passada de pais para filhos, e justifica todo o tido de violência que podemos suportar. Um exemplo disso foi matéria veiculada hoje na TV, sendo entrevistado um jovem assaltante, de 20 anos de idade, que cometeu latrocínio contra uma senhora de mais de 70 anos. “A culpa foi dela”, diz o assaltante: “Eu não queria matar, só pedi a bolsa dela. Mas ela reagiu e eu atirei. Eu só queria roubar”... Amigo leitor, eu gostaria de fazer de conta que... sei lá!!! Ainda pudesse ser possível restabelecer a realidade, para vivermos num mundo de VERDADE!!! Célia Borges

12 de julho de 2012

DOM OTTORINO ZANON - UM ENSAIO DE HISTÓRIA

Frango, coelho, cabrito. Muita verdura e legumes...o que o colégio Dom Ottorino Zanon produziu, durante mais de duas décadas, era suficiente para alimentar seus alunos, e ainda distribuir o restante entre os demais colégios da rede municipal. Construído e fundado para ser uma escola para crianças carentes, o Dom Ottorino Zanon foi afinal uma completa instituição de ensino, com ênfase no ensino profissionalizante, e que chegou a ter uma gráfica e uma marcenaria, e até uma fábrica de vassouras, para o aprendizado de seus alunos e para conseguir os recursos para sua manutenção. O colégio foi criado pelo padre Flávio Azambuja no início dos anos 60, sensibilizado com o número de crianças órfãs e carentes da região, construído em terreno doado pelo Dr. Arnaldo Marzotto, e com apoio da comunidade local, especialmente os italianos que moravam em Penedo na época. Ele surgiu primeiro como um internato, sob o nome de Lar dos Meninos, mas posteriormente passou a semi-internato, aceitando também meninas, e como Patronato. O ensino profissionalizante foi um dos principais objetivos do colégio, de forma a dotar as crianças ali atendidas de um ofício que lhes garantisse o futuro. No amplo terreno foi iniciada a criação de pequenos animais, assim como uma horta para atender ao ensino de técnicas de agricultura e pecuária, que passaram a abastecer a cozinha do colégio. Com o aumento do número de alunos, e diante da grande área de terreno disponível, a produção também aumentou, chegando a abastecer a merenda de outras escolas, durante os anos 70 e 80, e até mesmo, depois da emancipação de Itatiaia, a rede escolar do novo município. Embora fundado, administrado e tendo professores padres e freiras, foi sempre um colégio leigo, sob o regime da secretaria municipal de educação de Resende até 1989, e após a emancipação, da secretaria municipal de educação de Itatiaia. Com a aposentadoria e falecimento dos religiosos no decorrer dos anos – inclusive do padre Azambuja, que é nome de rua em Resende – foram desmontadas, e vendidos os equipamentos da gráfica e da marcenaria. A criação de animais também foi reduzida, até acabar, restando no início dos anos 90 apenas a horta, assim como o curso de técnico agrícola. O COLÉGIO NUNCA FICOU ABANDONADO: NÓS CUIDADOS DELE O Dom Ottorino Zanon ainda tem na ativa, funcionários que ali trabalham há mais de 30 anos. Com mais de 25 anos, existem vários. É o caso da servente Maria Anália da Silva Esperança, que com 26 anos de serviço, tem o colégio como uma espécie de segunda casa. Alí estudaram seus quatro filhos, um dos quais é hoje engenheiro e trabalha na Embraer. E ali também ela aprendeu muito do que sabe hoje, como corte e costura, que estudou num dos muitos cursos que o colégio ofereceu para pessoas da comunidade, no decorrer dos anos. O curso de corte e costura servia para que as alunas fizessem os uniformes do colégio, e era mantido juntamente com os de crochet, tricot e bordado. “Muitas pessoas aprenderam uma profissão e tiveram meios de ganhar a vida graças aos cursos do colégio, porque além de atender aos estudantes, os padres sempre tiveram grande atenção para com a população. As verduras e legumes, por exemplo, eles vendiam o que sobrava para os funcionários e moradores do bairro”, conta Anália. Na época em que começou a trabalhar no Dom Ottorino, Anália diz que o colégio chegou a ter quase 2.000 alunos, que eram atendidos por onze ônibus escolares, trazendo estudantes de todos os bairros, devido aos cursos profissionalizantes: “Além do curso de técnico agrícola, que durou muitos anos, também teve o curso de formação de professores, e como era um dos poucos da região, vinha muita gente estudar aqui, até de outros municípios”, conta ela, que começou como funcionária contratada, fez concurso há 20 anos e hoje, aos 55 anos, já conta tempo para se aposentar. Maria Anália, que ainda tem dois sobrinhos estudando no Dom Ottorino, faz questão de lembrar que há funcionários mais antigos que ela, como a merendeira Cida, que já trabalha lá há 33 anos. Os professores mais antigos já estão lá tanto tempo quanto ela, cerca de 26 anos. Ela mesma quando fez concurso, teve a chance de trabalhar em outro lugar, mas preferiu ficar: “Essa escola é um caso de amor. Muita gente que chega aqui, não quer sair mais” comenta Anália, sorrindo. Ela só fica séria quando se pergunta pelas dificuldades que a escola passou há alguns anos, depois de perder os cursos profissionalizantes e ter passado mais de dez anos sem manutenção: “Não gosto de falar disso, porque não quero me meter em política. Só posso dizer que a escola não ficou abandonada, porque nós não deixamos. Vamos dizer que ficou meio adormecida. Mas nós cuidados dela nesses tempos difíceis, e é uma alegria ver que agora ela parece renascer, toda novinha e bonita”, diz ela. Maria Anália se refere às obras, que estão sendo concluídas neste mês de julho, e que reformaram completamente o colégio, do telhado ao piso. “Só tenho pena que não tenha mais os cursos profissionalizantes. Os jovens de hoje precisam muito aprender uma profissão, isso seria muito importante para não ficarem desocupados nem cair no vício”, diz ela. PORQUE UM ENSAIO DE HISTÓRIA Considero o texto acima um ensaio, porque ele é apenas um esboço de uma história muito mais ampla, e que eu gostaria muito que os leitores ajudassem a escrever. Ainda pretendo entrevistar, para jogar um pouco mais de luz sobre o assunto, outros funcionários antigos do colégio. Mas gostaria de ter contato com pessoas que tivessem estudado e trabalhado lá nos anos 60, 70 e 80, para que pudéssemos resgatar nomes, fatos e datas, e assim reconstituir uma história que, estou certa, deve ter muitos belos capítulos. Considero que a história é uma ciência dinâmica, e não aquele grupo de conhecimentos armazenados nos livros da estante. Aquilo que vivemos e fazemos, as nossas experiências pessoais, fazem parte de uma cadeia de informações que em algum momento vão se transformar em história. A nossa história individual é reflexo da nossa época, e partilha-la é uma forma de reconstituir o mosaico de conhecimentos sobre o momento em que vivemos. Assim, quem tiver a sua história dentro dessa história, seja benvindo para conta-la. Tive grande prazer em pesquisar e escrever esse pequeno ensaio de história, e tenho enorme alegria em partilha-lo com vocês. Célia Borges

16 de outubro de 2011

ALDEIA GLOBAL – O Horror Econômico, a Febre de Poder e a retomada de consciência do cidadão comum

A economia global já vem dando, há alguns anos, demonstrações de que segue como um trem fora dos trilhos... e que agora ameaça descarrilar de vez. Guiados por um conceito que toma a ganância como atitude muito natural, e refém dessa figura mítica em que se transformou o tal de “mercado financeiro”, para a qual o lucro é o único objetivo, a política e os negócios internacionais – através das pessoas que os exercem – foram tomados pela “febre de poder”, que desviou o foco das necessidades coletivas das populações, para se concentrar nos interesses corporativos de uma minoria de privilegiados...que são apenas os deles mesmos.
Assim, as manifestações populares iniciadas há poucos dias em Nova York - questionando as condições em que vem sendo gerenciada essa economia global - e que vêm se alastrando por outros países, não são exatamente uma surpresa. Aliás, sinceramente, acho que demoraram muito. Foi preciso que o nó apertasse o coração daquela que é ainda maior economia global, os Estados Unidos, para surgir uma reação à altura do problema. Num mundo em que só o dinheiro manda, fala mais alto quem ganha mais. Mas foi só os norte-americanos darem o primeiro grito, que a zoeria se espalhou... e agora as populações pelo mundo afora começam uma monumental retomada de consciência, e indo para as ruas na tentativa de dar um basta a esse estado de especulação e expropriação que nos assola, nos mais variados níveis.
O grande problema da economia global é que seus gestores, cansados de enganar “os trouxas”, também pretenderam dar uma volta na matemática, mas a ciência exata não é tão complascente como as pessoas, e chegou uma hora em que a conta não fechou mais. Parece brincadeira, mas é simples assim. Ninguém pode esperar lucrar sempre e mais, mas essa é a proposta das Bolsas de Valores. Não há como o crescimento aritmético das populações e das suas riquezas possam acompanhar uma busca de lucros em progressão geométrica. Mas o mercado financeiro se comporta como um dragão alucinado, que precisa de sempre mais. E quando falta dinheiro, maquia-se as contas, e inventa-se riquezas onde não existem... porque afinal, alguém vai pagar por isso, e não é o irresponsável que fez essa conta.
Todo esse quadro que hoje vivemos já foi – e muito bem – delineado, num livro que acompanha as minhas insônias há mais de uma década, “O Horror Econômico”, da ensaísta francesa Viviane Forrester. Publicado na França em 1996, e com edição brasileira em 1997, o texto nos mostra bem a dimensão da cegueira que já predominava no campo econômico, desde aquela época, na medida em que a remuneração do capital extrapolava condições realistas, em detrimento da remuneração do trabalho e outros investimentos não financeiros. O resultado dessa equação maldosa seria o do desemprego crônico de parcelas das populações, o que só vem se confirmando com o passar dos anos.
É lamentável que os doutos economistas, de aquém e d´além, com tanto acesso a informações, não tenham vislumbrado as conseqüências, e tentado evitá-las à tempo. Mas há o miraculoso fato de quanto os economistas são dados à sua própria prosperidade, como poderemos verificar nos currículos daqueles que foram autoridades no nosso país. Vários viraram banqueiros... essa deve ser a vocação natural de muitos economistas. Mas o fato é que não me lembro de nenhum que tenha levantado uma voz relevante, para avisar que navio muito pesado tem tendência para afundar.
E enfim, esse é que me parece o grande problema da economia global, o fator humano, e a febre de poder daqueles que detém os nossos bens – como o tal mercado financeiro – e os nossos destinos – os governantes de países e grupos de países. Como lembrar a quem anda de avião particular, transita em limusines, e vive em ambientes climatizados, que há gente com fome lá fora, que há desempregados sem ter como sustentar suas famílias, que a pobreza gera violência que afeta aos trabalhadores...eles já sabem muito bem de tudo isso, e têm a firme intenção de resolver todos esses problemas nos próximos anos... quando já tiverem realizado todos os seus próprios sonhos de consumo e de grandeza!!!!
Tenho a desagradável impressão de que, apesar de toda a “civilização” e tecnologia, nos aspectos humanos, continuamos séculos atrasados, sendo os reis e imperadores antigos, substituídos por novos déspotas econômicos, que decidem os nossos destinos ao sabor de suas ambições por mais e mais riqueza. O conceito de democracia está longe de atingir, se não a igualdade, mas pelo menos um certo equilíbrio econômico. Quem tem algum dinheiro, quer sempre mais... quem tem algum poder, não quer jamais abrir mão dele. E quem não tem poder nem dinheiro, vai reivindicar o quê e quando? Se o foco é cada vez mais poder e lucro, quando vai sobrar tempo e recursos para a ética, a igualdade, a fraternidade... tudo isso que todos os partidos, religiões e seitas pregam à exaustão, e que as corporações também prometem, sem a menor intenção de respeitá-las ou cumpri-las.
As manifestações que se multiplicam por países de todos os continentes, e mesmo descontando as motivações locais de muitas delas, confesso que me dá um certo alívio. Eu já vinha me perguntando que mundo é esse em que eu vivo, que apesar de toda a literatura de ficção, vem desembocando num 1984 atrasado, num Admirável Mundo Novo, num verdadeiro “rock-horror-show” sem Inteligência Criativa...Credo!!! Deve ser por isso que estou fazendo – e precisando muito – de terapia. O Horror Econômico, até além do que previa Viviane Forrester, está aí, batendo à nossa porta, e além de protestar, acho que nem sabemos mesmo o que é o caso de reivindicar.
Será que existe uma fórmula para combater o princípio da ganância que nos contagia, e que nos mantém prisioneiros da arrogância de quem tem mais dinheiro ou poder? Será que o erro está só nos outros, nos poderosos, ou também somos cúmplices, quando e se fazemos parte dessa corrente do lucro a qualquer preço? No momento em que temos a chance do “botar o nosso bloco na rua” para engrossar o coro em defesa de uma democracia verdadeira, que seja também uma democracia econômica, é tempo de também reconsiderarmos nossas próprias posições, e avaliar até que ponto estamos prontos para essa nova realidade, de retomar a consciência dos nossos papéis como cidadãos, e nos decidirmos a intervir na realidade.
No Brasil, além das motivações internacionais, temos razões demais para protestar. Em nenhum outro país se paga tanto imposto, em nenhum outro os juros são tão altos, pagamos caro para combater a miséria, mas ainda assim as filas nos hospitais são intermináveis, o atendimento na área de saúde é pra lá de lamentável...populações continuam habitando em áreas de risco, e morrendo às centenas à cada ano...a educação está sempre abaixo da crítica, não temos mão de obra adequada para um crescimento em expectativa...e a corrupção leva embora grande parte dos recursos que poderiam ser investidos em tudo...ainda vivemos na idade dos feudos eleitorais... São tantos os nossos problemas, que é difícil até decidir por onde começar.
A “febre do poder” é uma doença para a qual não se descobriu a cura, nem se desenvolveu nenhuma vacina. Ela se manifesta na forma da arrogância daqueles que chegam à uma situação privilegiada, e assim se acham superiores a todos e à tudo. Acomete sobretudo autoridades, como presidentes, senadores, deputados, juízes... e até categorias menos cotadas, como os reles vereadores.... até a pseudo-autoridades, como carguinhos em comissão, de gente que não sabe mandar nem em si mesmo...
Célia Borges